quarta-feira, 5 de junho de 2013

Na minha moto, não!




O texto a seguir é resultado da minha reflexão de algum tempo já depois de ler uma publicação em um fórum americano. O título original, salvo engano, é "Not on my bike!". Só não é um plágio mais descarado porque infelizmente eu não encontrei mais essa publicação para, literalmente, traduzir o seu conteúdo e colocar aqui. Mas vamos lá:

Observem a imagem acima... Já posso até imaginar as reações: "Irresponsável!", "Esse cara é maluco!", ou as mais elaboradas, tais como "há que se considerar a situação sócio-política-econômica do país de origem deste pobre cidadão, que muitas vezes nem pode se dar ao luxo de gastar dinheiro com transporte público, isso quando o mesmo está disponível, e se já ter uma bicicleta é motivo de distinção social, que dirá esse felizardo que possui um veículo motorizado, blá blá blá". 

Você faria uma coisa dessas? Nem pensar? Então vejamos.

Sabe quando você, sozinho (ou sozinha), começar a literalmente conversar consigo mesmo? Talvez aquela discussão com o seu chefe não tenha terminado bem, e daí você meio que recomeça a discussão novamente, só que dentro da sua cabeça?

Ou aquele diálogo com o seu filho que faz tempo que você está planejando: O ensaio se inicia dentro do seu cérebro, e quando você menos percebe, já dá para escrever umas 45 páginas de script com tudo o que já ocorreu dentro da sua caixola? Muita gente faz isso, até sem perceber. Andando a pé, dentro do carro esperando o semáforo abrir (e mesmo quando o semáforo já abriu), e, em cima da moto.  Digamos que você esteja no meio de um embate desses, dentro do seu carro, e não percebe que o semáforo fechou: Dá aquela freada, o coração sobe para uns 160 batimentos por minuto e, na maior parte das vezes, o pior que acontece é um rubor na face quando se imagina os olhares em cima de você ou do seu carro (que legal que é essa película escurecedora que a gente coloca nos vidros do carro, não é mesmo?) Claro, às vezes, o coitado que está na sua frente acaba por ter um torcicolo repentino, além de ficar imaginando onde diacho ele colocou o cartão do corretor de seguros. Acontece coisa pior também, mas não vou me alongar mais sobre isso: Você já deve ter elaborado uma imagem mental bem específica a respeito do que eu estou falando.

E, falando em imagem mental, alguns já começaram a pensar: "E na moto?". Pois bem, eis o argumento desse texto (quero dizer, o argumento do texto que eu estou quase plagiando aqui, lá daquele fórum gringo que eu não me lembro mais nem o endereço): Quando você inicia essas verdadeiras cenas dramatizadas dentro da sua cabeça, você está, de forma figurada, trazendo esses interlocutores para cima da sua moto!

Então você está pilotando um monte de ferro (muitas vezes pesando mais de 300kg), com um líquido altamente inflamável no meio das suas pernas, sobre duas rodas, em muitos casos a mais de 100 km/h, e sem aviso prévio começa a trazer pra cima da sua moto um monte de gente com quem você começa a travar verdadeiros diálogos? 'Tá louco? 

Aqui vai um conselho: Quando isso começar, fale bem alto pra você mesmo (Se estiver de capacete fechado, ou se não se incomodar de parecer um lunático falando sozinho, verbalize mesmo, bem alto) - "NA MINHA MOTO, NÃO!". 

Passe a prestar mais atenção na pilotagem, defensivamente, com o cuidado e a responsabilidade requeridos em uma moto. Sempre. Curta a viagem. Ouça o motor da gorda (ou da magrela), perceba a ciclística, observe a sua vizinhança. Antecipe os movimentos dos outros carros na sua frente, ao seu lado, e também atrás de você! 

Dando uma de Carlos Castaneda (para quem já leu, vai entender),  pratique o "Não Pensar".

E eu vou falar: Não é fácil. Outro dia eu estava conduzindo uma pequena reforma aqui na minha oficina, e o que deveria ser uma simples parede lisa tinha tanto "entalhe" e tinta escorrida que mais parecia uma obra de arte moderna (daquelas que a gente nem sabe porque é que chamam de "arte"). Logo pela manhã, chamei o Seu Benedito (nome fictício do Pedreiro-Pintor-Encanador-Master-Blaster-of-the-Universe que nos ajuda por aqui de vez em quando) e dei aquele sermão.

Pois muito bem, diretivas compartilhadas e já paramentado, subo na moto e traço a rota para São Paulo.

Lá pelos quilômetros 50-e-tantos da rodovia Castelo Branco meu cérebro decidiu que a conversa com o Seu Benedito não foi suficiente... E lá vai o diálogo interno comendo solto: "Aqui, seu Benedito... não teria sido melhor pintar com rolinho? E essa lixa? dá só uma olhada nas marcas que ficou! Puxa, é simples: Deixa a massa corrida secar primeiro, depois pega assim, blá blá blá". Uma freada repentina de um Clio na pista da esquerda me tirou do transe. Parei por 0,2 segundos para avaliar a situação: O motorista do Clio, aparentemente descontente com o caminhão tamanho Jamanta-Plus-Mais que vinha atrás dele também pela pista da esquerda, decidiu que era o Thor (ou algum outro Deus Imortal, para imaginar que seria páreo para aquele mastodonte sobre rodas), estava decidido a mostrar todo o seu poderio em plena rodovia, cuspindo testosterona pelo escapamento. Na pista da direita logo a frente, uma caminhonete soltava tanto barro seco que parecia ter saído de algum enduro off-road. E, na pista central, logo atrás de mim, ele: Giorgio Armani! Ou pelo menos alguém da mesma estirpe, a julgar pelas altas costuras que ele vinha desempenhando.

"Seu Benedito, sai pra lá!", brandi dentro do meu capacete. Usei mais 0,3 segundos para avaliar a situação e, sem perder mais tempo, enrolei o cabo ultrapassando o Deus Nórdico na minha esquerda, seguindo para a pista da direita na frente do caminhão cospe-lama, dando passagem para o 'Gio' (para os íntimos).

Pronto... velocidade de cruzeiro estabelecida, lá vou eu mais uma vez incólume para a labuta.

O Seu Benedito? Ah, ele está ótimo! A parede já ficou lisinha e já está combinado: Na minha moto, nunca mais!